Em tempos de comportamento politicamente correto, em que canções tradicionais ganham releituras higienizadas - "Atirei o pau no gato", por exemplo, virou "Não atire o pau no gato" - era de se esperar que as narrativas orais também se imbuíssem da idéia. Mas não é bem assim. Os contadores Ana Luísa Lacombe e Ilan Brenman são contra a adequação de histórias para o padrão socialmente responsável que hoje vale até ISO de responsabilidade social - a certificação capaz de agregar valor às grandes empresas e ao bolso de seus acionistas.
"Tenho horror ao politicamente correto, detesto quem muda final de conto de fada e deixa lobo sozinho. Eu acho importante a criança entender as crueldades do mundo e a própria crueldade, coisa que a narração de contos permite", diz Ana Luísa. "A criança é maldosinha, porque é egocentrada e demora a desenvolver sua generosidade em relação ao mundo. Se ela só ouve histórias de gente boa, vai se sentir deslocada, porque ela, como todo mundo, não é só boa. E vai então perder a chance de se conhecer melhor, de saber que nomes têm os seus sentimentos."
Um pouco de bom senso, contudo, não faz mal, acredita Ana Luísa. "É preciso verificar a idade do público. Crianças com menos de três anos acreditam piamente nas histórias, ficam impressionadas e podem perder a confiança em quem as conta, a professora ou a mãe. Evito contar histórias com muito sangue para uma platéia dessa faixa etária. Pode ser muito perturbador. A partir dos quatro anos, o entendimento é mais tranqüilo."
"Eu sou crítico do politicamente correto tanto na infância como no mundo adulto", afirma Brenman. Para o narrador, contar histórias é fazer um contraponto ao mundo atual também nesse sentido - no campo dos significados e da forma de ver a vida. Se o mundo atual é asséptico, as histórias devem carregar alguma sujeira, algo que seja um acréscimo e um complemento ao cenário que se tem hoje, algo que o amplie.
Ana Luísa Lacombe (foto ao lado) e Ilan Brenman não são os únicos refratários à moral politicamente correta. A pesquisadora Regina Machado, responsável pelo Boca do Céu Encontro Internacional de Contadores de Histórias, evento que todos os anos reúne narradores em São Paulo, acha "absurdo" o filtro moralista por que alguns passam as histórias. "A função de uma história é simbólica, não literal. Ela atua em níveis profundos, tem muitas camadas de compreensão. É absurdo um adulto achar que sabe o que a criança vai perceber dela. Ele não sabe. A criança muitas vezes não dá atenção à violência da história, ela tem outros focos."
No Boca do Céu, aliás, era fácil encontrar histórias apimentadas - e, por isso mesmo, divertidas.
Por Maria Carolina Maia.
Exclusivo VEJA.com
"Tenho horror ao politicamente correto, detesto quem muda final de conto de fada e deixa lobo sozinho. Eu acho importante a criança entender as crueldades do mundo e a própria crueldade, coisa que a narração de contos permite", diz Ana Luísa. "A criança é maldosinha, porque é egocentrada e demora a desenvolver sua generosidade em relação ao mundo. Se ela só ouve histórias de gente boa, vai se sentir deslocada, porque ela, como todo mundo, não é só boa. E vai então perder a chance de se conhecer melhor, de saber que nomes têm os seus sentimentos."
Um pouco de bom senso, contudo, não faz mal, acredita Ana Luísa. "É preciso verificar a idade do público. Crianças com menos de três anos acreditam piamente nas histórias, ficam impressionadas e podem perder a confiança em quem as conta, a professora ou a mãe. Evito contar histórias com muito sangue para uma platéia dessa faixa etária. Pode ser muito perturbador. A partir dos quatro anos, o entendimento é mais tranqüilo."
"Eu sou crítico do politicamente correto tanto na infância como no mundo adulto", afirma Brenman. Para o narrador, contar histórias é fazer um contraponto ao mundo atual também nesse sentido - no campo dos significados e da forma de ver a vida. Se o mundo atual é asséptico, as histórias devem carregar alguma sujeira, algo que seja um acréscimo e um complemento ao cenário que se tem hoje, algo que o amplie.
Ana Luísa Lacombe (foto ao lado) e Ilan Brenman não são os únicos refratários à moral politicamente correta. A pesquisadora Regina Machado, responsável pelo Boca do Céu Encontro Internacional de Contadores de Histórias, evento que todos os anos reúne narradores em São Paulo, acha "absurdo" o filtro moralista por que alguns passam as histórias. "A função de uma história é simbólica, não literal. Ela atua em níveis profundos, tem muitas camadas de compreensão. É absurdo um adulto achar que sabe o que a criança vai perceber dela. Ele não sabe. A criança muitas vezes não dá atenção à violência da história, ela tem outros focos."
No Boca do Céu, aliás, era fácil encontrar histórias apimentadas - e, por isso mesmo, divertidas.
Por Maria Carolina Maia.
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