Frase do dia

“Não sou contra o governo com o intuito de me tornar governo. Sou contra o governo porque ele é contra o povo”

Reginaldo Marques

sexta-feira, 25 de maio de 2012

A verdade! Nada além da verdade.

Mãe de vítima da ditadura na Argentina elogia Brasil.

SYLVIA COLOMBO
DE BUENOS AIRES


Na noite do dia 23 de outubro de 1976, cinco homens vestidos em roupas de civis entraram na casa de Graciela Fernández Meijide. Além da família, estavam no apartamento alguns amigos de seus três filhos. Os repressores pediram por Pablo, que tinha 17 anos.

Desesperada e sem poder fazer nada, a última coisa que se lembra foi de ter entregado um pulôver para que o filho se agasalhasse.

Meijide, 81, nunca mais viu Pablo e não sabe o que aconteceu com ele. Supõe que tenha sido levado para um centro clandestino no Campo de Mayo e morto.

"Espero que tenha sido com o mínimo de dor e o mais rápido possível", diz, hoje, em seu apartamento no bairro de Belgrano, em Buenos Aires.

Então professora de francês, Meijide conta que, nos meses que se seguiram ao desaparecimento, só o que queria era acertar um tiro na cabeça dos líderes do regime militar argentino (1976-1983).

Com o tempo, porém, aproximou-se da luta dos grupos de direitos humanos, e em 1983 passou a integrar a Conadep (Comissão Nacional de Desaparecimento de Pessoas), instituída durante a gestão de Raúl Alfonsín e que tinha como objetivo descobrir o que aconteceu com os desparecidos durante a ditadura.

"Quando percebi que poderia ajudar a esclarecer a verdade e que os responsáveis pelas torturas e pelas mortes podiam pagar por isso, voltei a acreditar na sociedade e na justiça. Trabalhar para encontrar a verdade me fez esquecer a vingança."

A Conadep trabalhou por nove meses e elaborou uma lista com 7.954 nomes e suas histórias.

O relatório serviu para alimentar os julgamentos massivos contra repressores, que ocorrem na Argentina até hoje. Além do ex-ditador Jorge Rafael Videla, que cumpre pena perpétua numa penitenciária militar, estão presos quase 500 repressores.

Leia, abaixo, os principais trechos da entrevista de Meijide, que foi também senadora, à Folha. *

Folha - Por que a Argentina pôde reunir uma comissão para tratar dos crimes da ditadura tão cedo, logo após a restituição da democracia?
Graciela Fernández Meijide - Não gosto de dizer que a Argentina foi pioneira, porque em muitos países tenho certeza de que havia grupos da sociedade que queriam fazer o mesmo e não conseguiram. O Brasil e o Chile, por exemplo, optaram por uma saída mais pactada dos militares do poder. No nosso caso, os militares saíram desmoralizados, após o fim da Guerra das Malvinas e do vexame da derrota. Era mais fácil instalar uma comissão para investiga-los aqui, pois estavam muito desprestigiados.

Folha - Foi o efeito positivo da guerra.
Meijide - Exatamente. Perdemos vidas de soldados e perdemos para sempre a possibilidade de resgatar as ilhas. Mas recuperamos a democracia. E a recuperamos sem que os militares pudessem impor ou mesmo pedir nenhuma condição sobre como deveria ser a transição. Além disso, a derrota fez com que as pessoas passassem a acreditar nos rumores de que estavam matando gente nos porões da ditadura. Se dizia: "se foram capazes de nos levar a essa derrota, é porque foram capazes de fazer tudo o que dizem que estão fazendo.

Folha - Por que a Conadep foi criada por meio de decreto, e não por uma lei?
Meijide - Houve uma tentativa de estabelecer uma comissão bi-cameral, ou seja, aprovada pelo Congresso. Mas em ambas as câmaras havia peronistas ou partidos de direita que eram contra a investigação dos crimes, ou por ideologia ou por estarem envolvidos. Alfonsín não queria causar um racha, pois desejava restaurar a institucionalidade do país. Então optou por um decreto em que instituía uma comissão de notáveis, formada por 12 membros.

Folha - Como a Conadep trabalhou?
Meijide - Usamos como base o que havia sido preparado por organizações de direitos humanos, que já tinham reunido muitas denúncias de abusos. Com a propaganda do início dos trabalhos, muita gente passou a nos procurar.

Folha - E o que faziam a cada denúncia?
Meijide - Mandávamos ao local indicado pela testemunha um arquiteto, para desenhar um mapa, um fotógrafo e um membro da comissão. Ouvia-se gente, preparavam-se imagens e fazia-se um relatório, que virava um documento público.

Folha - Quem mais fazia denúncias, familiares ou colegas?
Meijide - Havia de tudo. As famílias iam reclamar os desaparecidos, mas quem tinha mais informação eram os colegas de célula, sobreviventes dos centros clandestinos, estes puderam dar muitos detalhes sobre as mortes.

Folha - Tinha-se uma ideia do tamanho da repressão antes do início dos trabalhos da Conadep?
Meijide - A sociedade em geral, não. Ouviam-se histórias, todos conheciam alguém cujo paradeiro era desconhecido. Nas organizações de direitos humanos, sabíamos um pouco mais. Me surpreendi, por exemplo, quando cheguei à Conadep, porque ainda se buscava muita gente que se acreditava estar viva e eu sabia que as esperanças eram muito poucas, porque a ordem era matar.

Folha - A questão do número oficial de desaparecidos é uma grande polêmica. A sra. defende que não se fale mais em 30 mil, pois esse número seria falso. Por que? Que número deveria ser usado?
Meijide - A Conadep chegou ao número de 7.954 desaparecidos, depois de esgotar todas as denúncias, daqui e do exterior. Se contarmos também o número de corpos que apareceram depois, teremos um pouco mais de 11 mil. Mas não 30 mil, esse número não existe. Minha teoria é de que surgiu no exílio. Os guerrilheiros e militantes que fugiam da Argentina não encontravam na Europa um grupo irmão. Comunistas e trotskistas do Brasil ou do Chile encontraram pares lá. Não os argentinos, porque eram peronistas e, para a esquerda europeia, os peronistas eram fascistas. Para fazerem-se ouvir, aumentaram o número, para se aproximar da noção de genocídio. Trinta mil é um número irreal, uma construção, necessária naquele momento.

Folha - Como a sra. vê a Comissão da Verdade no Brasil?
Meijide - Parte-se de um princípio muito positivo. Quando vi a foto de Dilma com os outros ex-presidentes, senti inveja. Na Argentina isso hoje não seria possível por causa dos enfrentamentos. E Dilma, além de demonstrar um poder muito grande de convocar a todos, quis dizer que seu caminho é o institucional, que não se trata de uma decisão do governo dela, mas de Estado. No que diz respeito a direitos humanos, o Brasil iniciou um processo com FHC e Lula que é difícil que retroceda. E isso é muito bom.

Folha - O que deve almejar a Comissão da Verdade?
Meijide - Há aspectos positivos no fato de se estar mais distante no tempo do fim da ditadura. Como não há um vínculo direto com a ideia de julgamentos, como era o nosso caso, a comissão pode se dedicar apenas ao que o seu nome indica, alcançar a verdade. Quando se está pensando em justiça, de certo modo nos afastamos da verdade. Deve-se almejar a verdade histórica. Existem duas categorias de memória. A primeira é a da memória fixa, que corresponde à vítima e seus parentes e amigos. Essa se congela no dia da desaparição, e é como se aquela pessoa fosse arrancada do convívio todos os dias. Mas há uma memória histórica que avança e que nos faz perguntar os porquês.Não é fácil para quem foi vítima trabalhar esse tema, e digo por experiência pessoal. Esse é o registro da memória que pertence ao país, a esse têm direito todos os brasileiros. A comissão precisa se concentrar nessa memória histórica.


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